Memória emocional: características, processo e como funciona - Ciência - 2023


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Memória emocional: características, processo e como funciona - Ciência
Memória emocional: características, processo e como funciona - Ciência

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o memória emocional refere-se à capacidade das pessoas de fixar memórias de emoções. Vários estudos mostraram que as estruturas cerebrais relacionadas à memória estão intimamente associadas a regiões que modulam as emoções.

As emoções estão intimamente ligadas à memória e considera-se que o conteúdo emocional dos eventos influencia a memória posterior. As informações adquiridas emocionalmente são lembradas de maneira diferente das adquiridas de maneira neutra.

Diante dessa estreita relação entre emoção e memória, surge uma nova estrutura de memória, que é conhecida como memória emocional. É uma capacidade humana muito específica que se caracteriza por desenvolver a memória dos acontecimentos por meio do impacto emocional vivenciado.


Relação memória - emoções

A memória emocional implica que os eventos emocionalmente significativos são retidos de forma diferente dos eventos neutros; eventos emocionais são melhores e mais facilmente lembrados do que eventos mais triviais.

Por exemplo, um evento traumático na infância, como um acidente de carro ou uma briga com um parceiro, costuma ser lembrado muito mais especificamente na idade adulta do que eventos triviais, como o que você comeu na semana passada.

Essa dicotomia de memórias se refere à memória seletiva. As pessoas não se lembram de todas as informações da mesma maneira. Nesse sentido, eventos vividos emocionalmente parecem ser lembrados melhor do que os demais.

Na verdade, múltiplas investigações mostram que a maior memória de experiências emocionalmente intensas se deve à maior facilidade de aquisição, maior manutenção ao longo do tempo e maior resistência à extinção.


Emoções positivas e emoções negativas na memória

A memória emocional responde a emoções positivas e negativas. Em outras palavras, eventos vivenciados emocionalmente (qualquer que seja seu caráter) parecem ser lembrados de forma diferente de experiências neutras ou triviais.

Esse fato se deve ao fato de que as estruturas cerebrais que modulam as emoções positivas e as que modulam as emoções negativas são as mesmas. Desse modo, o mecanismo cerebral que explica a existência da memória emocional está na associação entre as estruturas da emoção e as regiões da memória.

Eventos aversivos ou traumáticos

Eventos altamente aversivos ou traumáticos podem causar uma memória particularmente forte e consolidada. A pessoa pode se lembrar desses eventos com frequência e em detalhes ao longo de sua vida.


Um exemplo desse tipo de memória seria o trauma sofrido na infância, que pode aparecer repetidamente e ser lembrado de forma permanente na vida adulta.

Eventos positivos

Encontrar comparações com emoções positivas é um pouco mais complexo. Há quem se lembre com grande detalhe do dia do casamento ou do nascimento dos filhos, mas muitas vezes a memória é menos intensa do que a dos acontecimentos negativos.

Esse fato é explicado pela intensidade da emoção. Em geral, eventos negativos causam maior perturbação emocional, por isso as emoções vivenciadas nesses momentos tendem a ser mais intensas.

Dessa forma, eventos traumáticos podem ser inseridos mais facilmente na memória emocional. Mas isso não quer dizer que os eventos positivos não possam. Eles também o fazem, embora geralmente de forma menos acentuada devido à sua menor intensidade emocional.

Estruturas cerebrais da memória emocional

A principal estrutura cerebral responsável por realizar os processos de memória e que a facilita é o hipocampo. Essa região está localizada no córtex temporal e faz parte do sistema límbico.

Por sua vez, a região do cérebro responsável por dar origem às respostas emocionais é a amígdala. Essa estrutura consiste em um conjunto de núcleos de neurônios localizados profundamente nos lobos temporais e também faz parte do sistema límbico.

Ambas as estruturas (amígdala e hipocampo) estão constantemente conectadas. Da mesma forma, sua conexão parece ter uma relevância especial na formação de memórias emocionais.

Este fato postula a existência de dois sistemas de memória diferentes. Quando as pessoas aprendem informações neutras (como ler um livro ou aprender o programa de uma matéria), o hipocampo é responsável por construir a memória sem a participação da amígdala.

Porém, quando os itens a serem lembrados contêm uma certa carga emocional, a amígdala entra em ação.

Nesses casos, a formação da primeira memória ocorre na amígdala, que atua como um depósito de memórias associadas a eventos emocionais. Dessa forma, a memória emocional não começa no hipocampo como outras memórias.

Uma vez que a amígdala codificou o elemento emocional e formou a memória, ela transmite a informação por meio de conexões sinápticas ao hipocampo, onde a memória emocional é armazenada.

Processo de formação de memória emocional

A memória emocional possui diferentes características e diferentes mecanismos de registro cerebral devido à ação da emoção. São as emoções que motivam a informação a acessar o cérebro por meio de diferentes estruturas e a consolidá-lo de forma mais intensa.

Assim, os processos emocionais modificam o funcionamento da memória, dando origem ao aparecimento da memória emocional. Essas modificações são explicadas pela relação amígdala-hipocampo e são realizadas tanto na codificação quanto na consolidação das informações.

1- Codificação emocional

A primeira função cognitiva que entra em jogo quando se trata de moldar uma memória é a atenção. Na verdade, sem a atenção adequada, o cérebro é incapaz de perceber adequadamente a informação e armazená-la na anterior.

Nesse sentido, a primeira modificação que as emoções fazem já é detectada na forma como a informação é percebida.

As respostas emocionais provocam imediatamente uma alteração nas funções físicas e psicológicas das pessoas. Quando um indivíduo experimenta uma emoção, tanto os elementos físicos quanto os psicológicos relacionados à atenção aumentam.

Este fato permite que a atenção dada ao estímulo seja maior, de forma que a informação seja capturada mais facilmente e seu posterior armazenamento seja mais satisfatório.

2- Consolidação emocional

A segunda fase da geração de memórias emocionais consiste na retenção ou consolidação das informações nas estruturas cerebrais. Se a informação captada pelos sentidos não se consolida no cérebro, ela desaparece gradativamente e a memória não permanece (é esquecida).

O armazenamento de informações nas estruturas cerebrais não é automático, mas sim um processo lento, motivo pelo qual muitas vezes é difícil reter informações específicas a longo prazo.

No entanto, a informação emocional parece ter um tempo de consolidação muito mais curto. Ou seja, pode ser armazenado nas estruturas cerebrais com muito mais rapidez.

Esse fato faz com que as probabilidades de que eventos emocionalmente intensos sejam lembrados e mantidos ao longo do tempo sejam muito maiores.

Influência da memória na emoção

A relação entre memória e emoção não é unidirecional, mas bidirecional. Isso significa que, da mesma forma que a emoção pode afetar a memória (memória emocional), a memória também pode afetar a emoção.

Essa associação foi especialmente estudada pela neuropsicóloga Elisabeth Phelps ao analisar a interação entre o hipocampo e a amígdala. Quando o hipocampo recupera informações emocionalmente intensas, ele pode interagir com a amígdala para produzir a emoção que a acompanha.

Por exemplo, quando uma pessoa se lembra de um evento altamente traumático, ela imediatamente experimenta as emoções associadas a esse evento. Assim, a memória pode eliciar respostas emocionais, da mesma forma que experienciar emoções pode modificar a formação da memória.

O hipocampo e a amígdala são estruturas cerebrais interconectadas que permitem que os componentes emocionais se relacionem constantemente com os elementos domésticos.

Função de memória emocional

A associação entre estruturas emocionais e regiões da memória não é gratuita. Na verdade, a relação entre o hipocampo e a amígdala desempenha um importante papel adaptativo.

Quando as pessoas estão em situações perigosas, elas reagem com uma resposta emocional. Essa resposta permite uma maior ativação tanto do estado psicológico quanto do estado físico do indivíduo.

Por exemplo, se alguém visualiza que um cachorro vai atacá-lo, ele experimenta uma resposta emocional de medo. Essa resposta possibilita tensionar o corpo, aumentar a atenção e focar todos os sentidos na ameaça.

Dessa forma, a resposta emocional prepara a pessoa para responder apropriadamente a uma ameaça.

Porém, o processo de defesa e sobrevivência do ser humano não termina aí. O cérebro prioriza o armazenamento de eventos emocionalmente intensos por meio da associação amígdala-hipocampo para que possam ser facilmente lembrados.

Assim, a memória emocional é uma capacidade humana intimamente relacionada à sobrevivência da espécie. É muito mais útil para as pessoas se lembrarem de elementos emocionalmente intensos do que de aspectos neutros, porque geralmente são mais importantes.

Estudos sobre memória emocional

A memória emocional funciona como um sistema de filtragem. Esta se encarrega de selecionar os fatos mais relevantes pelo seu significado e os guarda na memória de forma mais intensa e duradoura.

Deste ponto de vista evolucionário, o cérebro humano seria capaz de lembrar corretamente as experiências aversivas mesmo quando elas ocorreram poucas vezes.

Nesse sentido, Garcia & Koeling já demonstravam em 1966 que a memória emocional pode se formar mesmo com uma única apresentação. Especificamente, aprendizados como aversão ao sabor ou condicionamento ao medo podem ser adquiridos com uma única tentativa.

Esses experimentos mostram a alta capacidade da memória emocional. Isso permite a formação de memórias duradouras de forma extremamente rápida e fácil, fato que não acontece com a “memória não emocional”.

Outra pesquisa sobre memória emocional tem se concentrado na análise dos mecanismos envolvidos na relação entre emoção e memória.

No nível do cérebro, parece que as estruturas que participam da geração da memória emocional são a amígdala e o hipocampo. No entanto, parece haver mais fatores relacionados.

Efeitos neuroendócrinos de estresse e memória

Estudos sobre os efeitos neuroendócrinos do estresse e sua relação com a formação de memórias de experiências estressantes forneceram dados relevantes sobre a memória emocional.

Quando uma pessoa é submetida a situações de alto conteúdo emocional, ela libera uma grande quantidade de hormônios adrenais. Principalmente adrenalina e glicocorticóides.

Diversas investigações se concentraram em analisar o efeito desses hormônios e mostraram que ele está intimamente ligado à interação emoção-memória.

Nesse sentido, Beylin & Shors mostraram em 2003 que a administração de um hormônio adrenal conhecido como corticosterona antes de realizar uma tarefa de aprendizagem, modulava a memória e aumentava a memória.

Da mesma forma, De Quervain mostrou que a modulação da memória varia de acordo com o momento e a intensidade com que os hormônios são liberados. Dessa forma, os glicocorticóides tornam mais fácil para as pessoas se lembrarem.

Posteriormente, um estudo realizado por McCaug em 2002 mostrou que esses efeitos hormonais são produzidos por mecanismos noradrenérgicos centrais. Ou seja, por meio da ação da amígdala cerebral.

A presença de glicocorticóides no sangue causa uma maior estimulação da amígdala. Quando a amígdala está ativa, ela passa a participar diretamente da formação das memórias.

Dessa forma, quando esses hormônios são administrados no sangue, a memória passa a funcionar por meio dos mecanismos da memória emocional, razão pela qual a memória é intensificada e o aprendizado mais potente e consolidado.

Referências

  1. Beylin, A. V. & Shors, T. J. (2003). Os glicocorticóides são necessários para aumentar a aquisição de memórias associativas após uma experiência estressante aguda.Hormones and Behavior, 43 (1), 124-131.
  2. Christianson, S. A. (1992). Estresse emocional e memória de testemunha ocular: uma revisão crítica. Psychological Bulletin, 112 (2), 284-309.
  3. De Quervain, DJ-F., Roozendaal, B. & McGaugh, J. L. (1998). O estresse e os glicocorticóides prejudicam a recuperação da memória espacial de longo prazo. Nature, 394, 787-790.
  4. García, J. & Koelling, R.A. (1966). Relação da sugestão com a consequência na aprendizagem de evitação. Psychonomic Science, 4, 123-124.
  5. McEwen, B. S. & Sapolsky, R. M. (1995). Estresse e função cognitiva. Current Opinion in Neurobiology, 5, 205-216.
  6. McGaugh, J. L. & Roozendaal, B. (2002). Papel dos hormônios do estresse adrenal na formação de memórias duradouras no cérebro. Current Opinion in Neurobiology, 12, 205-210.