As sinapses podem não ser a base da memória - Psicologia - 2023


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As sinapses podem não ser a base da memória - Psicologia
As sinapses podem não ser a base da memória - Psicologia

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O cérebro contém milhares e milhares de interconexões entre seus neurônios, que são separados por um pequeno espaço conhecido como sinapses. É aqui que a transmissão de informações passa de neurônio para neurônio.

Há algum tempo se vê que a atividade da sinapse não é estática, ou seja, nem sempre é a mesma. Pode ser aumentado ou diminuído como resultado de estímulos externos, como coisas que vivemos. Essa qualidade de modular a sinapse é conhecida como plasticidade cerebral ou neuroplasticidade.

Até agora, presumia-se que essa capacidade de modular sinapses participa ativamente de duas atividades tão importantes para o desenvolvimento do cérebro quanto o aprendizado e a memória. Digo até agora, uma vez que existe uma nova corrente alternativa a este esquema explicativo, segundo a qual para entender como a memória funciona, as sinapses não são tão importantes como normalmente se acredita.


A história das sinapses

Graças a Ramón y Cajal, sabemos que os neurônios não formam um tecido unificado, mas que todos estão separados por espaços interneuronais, lugares microscópicos que Sherrington mais tarde chamaria de “sinapses”. Décadas depois, o psicólogo Donald Hebb apresentaria uma teoria segundo a qual as sinapses nem sempre são iguais no tempo e podem ser moduladas, ou seja, ele falava do que conhecemos como neuroplasticidade: dois ou mais neurônios podem fazer com que a relação entre eles se consolide ou degrade, tornando certos canais de comunicação mais frequentes do que outros. Curiosamente, cinquenta anos antes de postular essa teoria, Ramón y Cajal deixou em seus escritos evidências da existência dessa modulação.

Hoje conhecemos dois mecanismos que são utilizados no processo de plasticidade cerebral: potenciação de longo prazo (LTP), que é uma intensificação da sinapse entre dois neurônios; e depressão de longa duração (LTD), que é o oposto da primeira, ou seja, redução na transmissão de informações.


Memória e neurociência, evidências empíricas com controvérsia

Aprender é o processo pelo qual associamos coisas e eventos da vida para adquirir novos conhecimentos. Memória é a atividade de manter e reter esses conhecimentos aprendidos ao longo do tempo. Ao longo da história, centenas de experimentos foram realizados em busca de como o cérebro realiza essas duas atividades.

Um clássico dessa pesquisa é o trabalho de Kandel e Siegelbaum (2013) com um pequeno invertebrado, o caracol marinho conhecido como Aplysia. Nesta pesquisa, vi que mudanças na condutividade sináptica foram geradas como consequência de como o animal responde ao ambiente, mostrando que a sinapse está envolvida no processo de aprendizagem e memorização. Mas um experimento mais recente com Aplysia por Chen et al. (2014) encontraram algo que conflita com as conclusões alcançadas anteriormente. O estudo revela que a memória de longo prazo persiste no animal nas funções motoras após a inibição da sinapse por drogas, lançando dúvidas sobre a ideia de que a sinapse participa de todo o processo de memória.


Outro caso que sustenta essa ideia surge do experimento proposto por Johansson et al. (2014). Nessa ocasião, foram estudadas as células de Purkinje do cerebelo. Essas células têm entre suas funções controlar o ritmo dos movimentos e, sendo estimuladas diretamente e sob inibição das sinapses por drogas, contra todas as probabilidades, elas continuaram a ditar o ritmo. Johansson concluiu que sua memória não é influenciada por mecanismos externos e que são as próprias células de Purkinje que controlam o mecanismo individualmente, independentemente das influências das sinapses.

Finalmente, um projeto de Ryan et al. (2015) serviu para demonstrar que a força da sinapse não é um ponto crítico na consolidação da memória. Segundo seu trabalho, ao injetar inibidores de proteínas em animais, produz-se amnésia retrógrada, ou seja, eles não conseguem reter novos conhecimentos. Mas se nesta mesma situação aplicarmos pequenos flashes de luz que estimulam a produção de certas proteínas (método conhecido como optogenética), sim, a memória pode ser retida apesar do bloqueio químico induzido.

Aprendizagem e memória, mecanismos unidos ou independentes?

Para memorizar algo, primeiro temos que aprender sobre isso. Não sei se é por isso, mas a literatura neurocientífica atual tende a unir esses dois termos e os experimentos em que se baseiam tendem a ter uma conclusão ambígua, que não permite distinguir entre processos de aprendizagem e de memória, tornando difícil entender se eles usam um mecanismo comum ou não.

Um bom exemplo é o trabalho de Martin e Morris (2002) no estudo do hipocampo como centro de aprendizagem. A base da pesquisa se concentrou nos receptores do N-Metil-D-Aspartato (NMDA), proteína que reconhece o neurotransmissor glutamato e participa do sinal LTP. Eles mostraram que, sem o aumento de longo prazo nas células hipotalâmicas, é impossível aprender novos conhecimentos. O experimento consistiu em administrar bloqueadores do receptor NMDA em ratos, que ficam em um tambor de água com uma jangada, sendo incapaz de saber a localização da jangada pela repetição do teste, ao contrário de ratos sem inibidores.

Estudos posteriores revelam que se o rato recebe treinamento antes da administração dos inibidores, o rato "compensa" a perda de LTP, ou seja, tem memória. A conclusão a ser mostrada é que o LTP participa ativamente da aprendizagem, mas não é tão claro que o faça na recuperação da informação.

A implicação da plasticidade cerebral

Existem muitos experimentos que mostram que a neuroplasticidade participa ativamente da aquisição de novos conhecimentos, por exemplo, o caso anterior ou na criação de camundongos transgênicos em que o gene produtor de glutamato é deletado, o que dificulta gravemente o aprendizado do animal.

Em vez disso, seu papel na memória começa a ser mais duvidoso, como você pôde ler com alguns exemplos citados. Uma teoria começou a surgir de que o mecanismo de memória está dentro das células, e não nas sinapses. Mas, como o psicólogo e neurocientista Ralph Adolph aponta, a neurociência descobrirá como o aprendizado e a memória funcionam nos próximos cinquenta anos, isto é, só o tempo esclarece tudo.